
Eu sei, porque me contou o falecido Sr. Jorge Barrigana. Antigamente nestas escadas de Espinhaço, em Avintes, havia uma viela muito íngreme revestida com uma antiga calçada de pedra. Eram pedras de granito, pequenas, irregulares. Um pavimento modesto, feito de pedras polidas pelas milhares (milhões?) de passadas que o percorreram. Talvez por 100 anos, talvez por duzentos, talvez até mais. Pensar nestas pedras que se encontram ainda - mas não por muitos mais dias - neste local, por baixo de camadas de maus tratos de cimento e alcatrão… pensar nelas é pensar na história trágico-cómica que nos contou o Sr. Jorge. Certo dia, numa época muito antes dos telemóveis, alguém correu a contar-lhe que a mãe dele se estava a sentir mal. Ele não estava em casa mas veio desvairado pela rua abaixo, de bicicleta. A irmã também não estava. Vinha do trabalho com um serviço de copos novos que nesse dia comprou para o enxoval. A velocidade que a bicicleta atingiu ao descer a Rua Miguel Bombarda foi tanta que ele não conseguiu travar a tempo de virar para esta viela e foi embater contra o muro do Sr. Manel Nabiça, para se soltar da bicicleta e ser projetado contra a casa. Ao mesmo tempo, ou quase, a irmã descia a viela, íngreme e escorregadia com o serviço de copos. E, claro, esbardalhou-se pela rua abaixo e acabou com um copo espetado no cotovelo. Concluiu o Sr. Jorge: “se havíamos de ir um para o hospital, fomos três!”
As histórias como esta são memórias dos lugares, presas às pedras que as içam para as conversas. Sei que uma viela de pedras poídas e com verdete já não cabe no nosso quotidiano apressado e prático. Mas sei também, tenho a certeza, que não está certo fazer destas memórias entulho. E destes recursos lixo. Num tempo em que se fala tanto em património e sustentabilidade não posso concordar que as pedras antigas não sejam reutilizadas na reabilitação de um lugar que agora se diz histórico mas que se reconstrói com materiais novos e incaracterísticos.
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